Val
Paraíso é o nome que se dá a um lugar muito bonito no Chile, com praias belas e
casarões luxuosos. Mas onde eu moro é diferente: um condomínio, em João Pessoa, com blocos que
vão do A ao J, em que cada um deles tem quatro andares e vinte e dois
apartamentos por andar. Sendo assim, 88 por prédio. Fazendo as contas, são 880
moradias. E se formos pensar que cada uma delas tenha, no mínimo três pessoas,
são 2640 habitantes. As quais dividem uma área de lazer, com duas piscinas e
uma quadra poliesportiva, nos fundos do condomínio.
A
distância entre um bloco e outro é de, aproximadamente, 10 metros e todos os
prédios foram feitos exatamente iguais. O apartamento onde eu moro, 303 do
bloco E, fica em frente a outro idêntico a ele. Os do lado direito e esquerdo
também são do mesmo jeito. Assim como os do prédio ao lado. Todos tem varadas
voltadas de frente umas as outras nas laterais dos blocos. Dado isso, não há
privacidade alguma, nem em sequer tomar um ar fresco sem ser fitada pelos olhos
curiosos de um vizinho do prédio ao lado.
Durante
o dia, as crianças correm nos corredores, brincam de pega, de esconde-esconde,
de bola. A síndica sempre reclama, diz que no térreo há uma área de lazer
infantil. O que é verdade, mas as mães não deixam os filhos descerem sozinhos.
Então a diversão mais acessível é ali mesmo, com reclamação e tudo. E que se
danem os vizinhos que querem estudar pra concursos, vestibulares, ou provas
letivas. E já que eu não pude vencer o inimigo, resolvi me aliar a ele. Então
deixo minha filha brincar no corredor também.
Só
no silêncio da noite se tem paz! As crianças e os briguentos descansam. Fujo
para a varanda, de onde tenho uma visão da rua quieta. Ao meu ver, quase todos
dormem. Exceto um vizinho do terceiro andar do bloco ao lado, que assiste
televisão. Da minha sacada eu vejo as luzes da tela refletindo nas paredes
brancas. Também ouço duas pessoas conversando alto no mesmo prédio, um pouco
mais afastadas. Agora passa um moço de bicicleta na rua deserta.
Nesse
momento, chega à garagem um carro vermelho com o som tocando um brega em
portunhol. O motorista desce e resolve cantar um pouco, acompanhando a música.
A tranquilidade se foi, mas a mim isso não incomoda. Somente porque agora eu
estou acordada. São quase duas da madrugada e “Sois nada mais do que uma mera
ilusão” dizem os versos melancólicos e “A luz do cabaret já se apagou”. Agora
um homem aparece na sacada do apartamento do primeiro andar ao lado. Não sei se
incomodado, olha em direção ao barulho. “Ai, ai, ai, ai, amor. Eu sou o
satélite e você o Sol”, toca outra música e o dono do carro, audivelmente embriagado,
a cantar junto à música. Percebo que o homem da sacada ao lado está irritado e
olha em direção à portaria do meu prédio. Devo acordar a síndica e reclamar? Não
foi preciso, minutos depois o bêbado resolve se recolher, sem demais confusões.
Em
alguns meses, se meus planos derem certo, irei me mudar. Mas não vou sair do
Val Paraíso. Acho que me acostumei com os olhares curiosos e até mesmo eu já
aderi a tal hábito de espiar. Não por mera curiosidade. Mas por reconhecimento
da semelhança. De fato, mudam os números, mudam os blocos, mas o CEP é o mesmo.
Somos todos iguais, as mesmas histórias.
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