domingo, setembro 5

Augusto dos Anjos em poemas e película

O poeta paraibano Augusto dos Anjos, que era mestre em retratar a condição efêmera da vida, deixou como herança para a humanidade poemas belíssimos que fazem qualquer otimista cair no mais cru realismo. Por conhecer profundamente a anatomia humana e usar nos seus textos termos da medicina, ele tornava o que escrevia mais real, da centelha que clareia a existência ao triz que a separa da morte. A sua visão sombria não vem apenas com o motivo de chocar, mas com a intenção de convencer quem o ler, por meio de palavras "sujas", da ínfima e transitória condição de existir.

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.


Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância...
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.


Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,


Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!


Em “Psicologia de um vencido” o uso de antagonismos reforça a ideia de que escuridão e claridade se completam e onde há vida há morte.

Transubstancial, curta metragem dirigido pelo cineasta paraibano Torquato Joel em 2003, mostra da forma mais fiel o mundo imagético do poeta conterrâneo. Efeitos de sobreposição de cenas, faíscas de luz, uso de silhuetas fazem parte da composição do filme. A fidelidade da película aos textos do poeta está até mesmo na inquietação causada pelo impacto da sua temática.



A reconstituição cinematográfica do universo idealizado nos poemas dá a impressão de que as obras trabalham em conjunto, uma como a perfeita ilustação da outra.

sábado, setembro 4

Isso sim é cinema verdade





Desde o surgimento do documentário em 1922, com o Nanook do Norte de Robert J. Faherty, criou-se uma discussão sobre a proposta de documentar os acontecimentos de uma forma real ou de uma forma atuada. Nesse filme é mostrado o cotidiano de uma família de Inuit, povo indígena que habita a região do Alaska. O documentário foi bastante criticado, pois tinha como intuito mostrar fatos reais, mas alguns takes foram encenados, como a cena da pescaria.
Algumas décadas depois, na França, surgiu um filme que reapresentou a proposta de mostrar a realidade, através de entrevistas casuais de moradores de Paris. Era "Crônica de um verão" de Jean Rouch e Edgar Morin. Os dois cineastas criaram a vertente de documentário Cinema direto, que captava imagem e som simultaneamente sem uma mixagem posterior. Com o advento da fabricação de câmeras menores, que sincronizavam o som direto e que eram de melhor manuseio, passou a existir uma maior mobilidade para o deslocamento e filmagens do cotidiano. Ao final, o próprio documentário de Rouch e Morin suscita o questionamento de se as pessoas entrevistadas estavam sendo sinceras ou se em algum momento exageraram em frente as câmeras.
Essa vertente foi bastante bem vinda pelos estudantes de cinema e comunicação. Inclusive, aqui na Paraíba houve um grupo que participou de um atelier de Cinema direto promovido pela Kodak e pelo próprio Jean Rouch. Alguns alunos de Comunicação Social da UFPB, munidos com as recém lançadas câmeras super-oito, viajaram para França para aprenderem as técnicas de documentação. Entre eles estavam João de Lima e Bertrand Lira, que hoje são cineastas e professores de Comunicação.
Grandes cineastas foram despontando para o cinema direto. Um deles foi o ex-jornalista do Globo Reporter, Eduardo Coutinho, que imprimia em suas reportagens toda a narrativa de documentário. Entre seus filmes estão "Cabra marcado pra morrer", "Peões" e "Edifício Master".
Em 2009, Coutinho dirigiu "Jogo de Cena" que é uma espécie de entrevista, na qual mulheres de idades variadas contam suas estórias. O ponto que difere esse dos outros documentários influenciados pelo cinema direto, também chamado de cinema verdade, é a provocação da mistura de documentário com ficção. A participação de atrizes famosas (Marilha Pêra, Fernanda Torres e Andréa Beltrão), também contando estórias, gera a inquietação de se saber se o que estava sendo falado era verídico ou atuação. Ao passo que duas mulheres, sendo uma atriz e outra não, passam a relatar o mesmo fato a ideia do que é real vai se formando. No final de cada entrevista com as atrizes, Coutinho tem uma conversa indagando a sensação de interpretar um papel real frente a frente com o diretor do filme. Nesse ponto, a característica de documentário sem ficção volta. Aí está a genialidade de "Jogo de Cena", retomar o questionamento, na sua própria narrativa, sobre a veracidade do que se narra.